quinta-feira, 23 de junho de 2011

Poder e Luta de Classes



A tradição marxista ortodoxa coloca o poder localizado no Estado. A burguesia, desse modo, governa a sociedade porque possui o controle do Estado. A antítese deste poder seria o partido comunista. Para um partido comunista tomar o poder, este deve se equiparar a um aparelho de Estado, com todas as suas regras, disciplinas, hierarquia. Seria uma espécie de um projeto estatal, um mini-estado. Um modelo do que será o futuro estado comunista.

Porém, uma questão que surge é: estaria o poder localizado somente no Estado? Ou tomando o poder de Estado obtêm-se também o controle de toda a sociedade, sendo capaz a transformação de uma sociedade capitalista para uma socialista e posteriormente comunista?

Segundo a obra de Michael Foucault, o poder não é um instrumento no qual podemos possuir ou adquirir. Existe na verdade múltiplos poderes, relações de poder. Certamente que Foucault não é marxista, mas não me incomodo de usá-lo aqui para explicar o funcionamento das relações de poder. Não se trata também de negar Marx, mas sim de contribuir para o pensamento dialético, com novos dados e experiências que nos são apresentadas.

Sendo então o poder uma prática e não um objeto, como devemos então buscar a “tomada” do poder? O poder não está situado somente no aparelho de Estado. O poder é uma teia de relações. Todos o praticam. Em suas relações familiares, trabalhistas, religiosas, etc. Sendo assim, para a transformação da sociedade nos vemos diante de um problema bem mais complexo do que imaginávamos.

O Estado é somente uma parte da teia de poderes que sustenta o capitalismo. É de certo o poder mais visível, situado a nível macro. Porém, distituindo a burguesia do poder de Estado, não significa que ela seja desalojada das restantes relações de poderes a nível micro – Igrejas, escolas, quartéis, prisões, hospitais, clubes, imprensa. Todas essas instituições carregam em si a ideologia burguesia e praticam também relações de poderes burgueses. Citando Foucault:


“(...) a tomada do aparelho de Estado deve ser considerada como uma simples ocupação com modificações eventuais ou deve ser a ocasião de sua destruição? Você sabe como finalmente se resolveu este problema: é preciso minar o aparelho, mas não completamente, já que quando a ditadura do proletariado se estabelecer, a luta de classes não estará terminada... É preciso, portanto, que o aparelho de Estado esteja suficientemente intacto para que se possa utilizá-lo contra os inimigos de classes. Chegamos à segunda conseqüência: o aparelho de Estado deve ser mantido, pelo menos até um certo ponto, durante a ditadura do proletariado. Finalmente, terceira conseqüência: para fazer funcionar estes aparelhos de Estado que serão ocupados mas não destruídos, convém apelar para os técnicos e os especialista. E, para isto, utiliza-se a antiga classe familiarizada com o aparelho, isto é, a burguesia. Eis, sem dúvida, o que se passou na URSS. Eu não estou dizendo querendo dizer que o aparelho de Estado não seja importante, mas me parece que, entre todas as condições que se deve reunir para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados.”
*

Desta forma, é necessário quebrar toda a base de sustentação da burguesia, e não somente o Estado. Se a burguesia se mantivesse no poder somente pelo Estado, sua base de sustentação seria muito frágil. Bastaria somente reunir os operários e camponeses, armá-los e guiá-los na tomada do poder. Mas isto não ocorre porque o Estado não tem função só de reprimir e alienar, mas também de estimular, criar, moldar. Não é porque uma pessoa é operária que ela necessariamente é contra o capitalismo e a favor do socialismo. Quantos trabalhadores vocês conhecem que querem derrubar este sistema, implantar o socialismo e lutar pela construção deste? Não muitos eu creio. E quantos trabalhadores desejam se integrar ao sistema, ter um carro do ano, ser dono de uma empresa, receber um bom salário, porém, sem questionar o capitalismo? Pensando em “amenizar” sua exploração com um emprego melhor, mas sem pensar no restante da sociedade e naqueles que nunca conseguiram mudar a sua situação? Estes sim, vemos aos montes.
Devemos atribuir este aspecto somente a questão da alienação? Creio que eu não. Nem todo trabalhador que defende o capitalismo o faz por ser um alienado. Tantas vezes explicamos a esses sujeitos como o sistema capitalista explora e como ele se constitui na origem dos males da sociedade e mostramos como é mais justo a forma de distribuição socialista e estes ainda se mostram indiferentes. Não podemos atribuir este aspecto somente a alienação. Existe a questão do conformismo, indiferença, egoísmo, falta de interesse e descrença em uma possível revolução socialista.

Com isso quero dizer que não é porque uma pessoa é operária que ela possuirá também uma mente revolucionária. De certo que a exploração gera meios de resistência, mas nem sempre toma forma de uma resistência coletiva, social. Nem sempre é uma resistência revolucionária. O operário pode resistir individualmente, tentando encontrar um emprego que lhe pague mais e trabalhe menos, ou até resistir de forma de classe, se organizando para receber um melhor salário, através de greves. Porém, isso não significa que este operário grevista seja necessariamente um revolucionário, pois busca primeiramente interesses econômicos imediatos.

A ideologia burguesa sustenta o capitalismo tanto quanto o Estado. Não adianta derrubar o Estado se a ideologia burguesa não for posta abaixo. Na verdade, torna-se praticamente impossível por abaixo o Estado burguês sem destruir a ideologia burguesa. Esta ideologia que impera na sociedade sustenta o poder burguês, não somente o Estado, mas também todos os níveis desta sociedade. Garante o funcionamento da fábrica, do aparelho militar, das escolas, do judiciário, de todas as outras instituições burguesas onde o poder é exercido.

Assim, a luta pelo socialismo não deve ser dar só no campo político, mas também no ideológico. O objetivo então é conquistar a “Hegemonia”, da qual fala Gramsci. Para a uma hegemonia operária, não basta ter somente o domínio dos meios de produção, mas também o domínio ideológico. A batalha pelo socialismo no século XXI deve ser dar, em grande parte no campo ideológico. É necessária a infiltração da ideologia socialista nas forças armadas, a escola, igrejas, e mídia. A burguesia controla o Estado porque também controla estas instituições. Um sustenta o outro.

É claro que na questão da imprensa se torna mais difícil a infiltração na grande mídia. Por isso a necessidade da criação de jornais e revistas de esquerda, como os jornais Brasil de Fato, Inverta, A nova Democracia e as revistas Caros Amigos, Carta capital, dentre outras.

Um exemplo desse conceito gramsciniano de luta pela hegemonia é a novela que está sendo exibida pelo SBT, Amor e Revolução. Uma novela que fala da luta dos comunistas contra a ditadura militar no Brasil. A novela da uma noção do que é comunismo para o espectador. Propaga assim a luta pelo socialismo no campo ideológico.
Somente desta forma poderemos garantir o triunfo da revolução. Não somente uma busca pela tomada do aparelho de Estado, mas sim pela hegemonia da classe operária. Assim como o poder capitalista é exercido em todos os níveis da sociedade, deve-se também o poder socialista além do Estado. A conquista ideológica é o primeiro passo a ser dado para a revolução socialista.

citação:

* FOCAULT, Michael. Microfísica do Poder. editora Graal: Rio de Janeiro, 2007.